Italo Calvino (1923 - 1985), nesse seu pequeno grande Ensaio de ensaios, começa o livro com algumas propostas de definição sobre os clássicos, que vale a pena recuperar e registrar para reflexão dos amantes dos livros.
1. Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: "Estou relendo... " e nunca "Estou lendo...".
O prefixo reiterativo antes do verbo ler pode ser uma pequena hipocrisia por parte dos que se envergonham de admitir não ter lido um livro famoso. Para tranquilizá-los, bastará observar que, por maiores que possam ser as leituras "de formação" de um indivíduo, resta sempre um número enorme de obras que ele não leu.
2. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.
3. Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.
4. Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.
5. Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura.
A definição 4 pode ser considerada corolário desta:
6. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.
Ao passo que a definição 5 remete para uma formulação mais explicativa como:
7. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).
8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente a repele para longe.
9. Os classicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.
10. Chama-se clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs.
11. O "seu" clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele.
12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu antes os outros e depois lê aquele reconhece logo o seu lugar na genealogia.
13. É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.
14. É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.
A única razão para ler os clássicos que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos.
E se alguém objetar que não vale a pena tanto esforço, citarei Cioran: "Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. 'Para que lhe servirá?', perguntaram-lhe. 'Para aprender esta ária antes de morrer'".
(Texto escrito por Italo Calvino em 1981.)
Calvino, Italo Por que ler os clássicos São Paulo: Companhia de Bolso, 2007, p. 9-15
sábado, dezembro 18, 2010
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